Em memória de W. E. B. Du Bois (1868-1963)
Livro resenhado: Spitzer, Leo. Racismo e antissemitismo: As trajetórias de Stefan Zweig, André Rebouças e Joseph May. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2023. 408 págs.
Ocasionalmente, livros com temas improváveis se revelam fascinantes, rompendo barreiras temáticas e explorando regiões raramente investigadas. Leo Spitzer escreveu uma obra assim. À primeira vista, suas histórias familiares da Áustria, Brasil e Serra Leoa pareceriam desconexas. Os progenitores eram pessoas modestas, nascidas no judaísmo e em sociedades embebidas na escravidão. As gerações posteriores lutaram para alcançar a respeitabilidade, apenas para encontrar outros obstáculos à mobilidade sociocultural. No entanto, viveram em mundos marcadamente diferentes, e suas trajetórias nunca se cruzariam. Quem imaginaria que uma história conectada pudesse emergir dessas vidas díspares?
Leo Spitzer aborda com ousadia processos universais — a assimilação de povos subordinados em sociedades dominantes e a difícil situação dos indivíduos forçados a se adaptar — que existem em todos os lugares onde nós nos reunimos. A gama completa de tais experiências não poderiam ser captadas com uma pesquisa, uma biografia, um estudo de um único país ou uma abordagem institucional, porque as interações mais dramáticas entre povos e culturas na era moderna abrangeram continentes e levaram gerações para se concretizarem. Um exercício que Norbert Elias (1897-1990) fará no posfácio de Os estabelecidos e os outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. No entanto, onde muitos poderiam ter concluído que a história, embora importante, não poderia ser pesquisada, Spitzer mergulha em um estudo multicultural e multidisciplinar que não apenas obtém sucesso, mas também oferece inspiração a outros de nós que sempre estamos dispostos a enfrentar e quando possível subverter os limites metodológicos comumente aceitos. Este é um trabalho verdadeiramente estimulante.
As três famílias que Leo Spitzer acompanha acabaram gerando figuras proeminentes, pessoas que marcaram a história registrada: André Rebouças (1838-1898), Cornelius May (1857-1929) e Stefan Zweig (1881-1942). O primeiro um renomado engenheiro e abolicionista no Brasil, o segundo prefeito de Freetown, Serra Leoa e o terceiro um escritor best-seller na Europa. Por um tempo, esses homens viveram sob os holofotes, aparentemente capazes de superar preconceitos contra seu povo (judeus e negros). Tornaram-se faróis de esperança.

O liberalismo encapuzado nas argutas palavras de Florestan Fernandes (1920-1995) do século XIX e início do século XX encorajou membros talentosos e criativos de grupos subalternos a ponto de eles e elas verem as velhas barreiras caírem. Os preconceitos religiosos e raciais pareciam ser vícios do passado. As pessoas da modernidade certamente julgavam os outros por suas qualidades intrínsecas. Então, tragicamente, a reação se instalou. Esses três homens — figuras admiráveis em sua própria vida — foram reduzidos a pó pelas terríveis forças da intolerância, preconceitos, racismo e antissemitismo. Zweig cometeu suicídio enquanto estava exilado da Áustria controlada pelos nazistas em Petrópolis (RJ), Rebouças provavelmente cometeu suicídio enquanto estava exilado em Funchal, na Ilha da Madeira. E May pereceu na prisão, debilitado em espírito e saúde por alegações de corrupção. Suas catástrofes individuais foram intensificadas pelas alturas que eles e suas famílias haviam escalado.

Este livro possui uma qualidade assombrosa que aumenta seu apelo. Leo Spitzer explica que sua própria família, aparentada com os Zweig, vivenciou também as forças diaspóricas que ainda impulsionam a história. Spitzer encontrou material biográfico e de arquivo suficiente para iluminar a vida das gerações posteriores dos Zweig, Rebouças e May, criando uma espécie de biografia coletiva. As leitoras e leitores tenderam a se identificar com essas famílias e esperar que suas aspirações cidadãs sejam realizadas, apenas para vê-las anuladas pelas forças do racismo, do antissemitismo, da intolerância e do preconceito. Notavelmente, as diferenças entre judeus (europeus e/ou não), africanos (coloniais e/ou não) apesar de existirem, não são tão grandes que não possamos imaginar todos e todas passando por experiências semelhantes. Em última análise, o livro funciona como uma boa biografia de coletividades, induzindo as leitoras e leitores a verem o mundo do ponto de vista dos comuns e, assim, a compartilhar a nossa história.

Em seções intercaladas ao longo do texto, Leo Spitzer discute a literatura sociológica sobre assimilação e as bases psicológicas da marginalidade. Embora cruciais para a análise, essas passagens das ciências sociais não conseguiram o élan necessário para a sua convivência na narrativa. Fora isso, a escrita é clara e direta.
Este estudo envolveu pesquisas nos Estados Unidos, Europa, África e Brasil, buscando as línguas desses lugares e os contextos específicos planetários. As lacunas no material são preenchidas com o uso criterioso da imaginação histórica. Leo Spitzer merece nossa admiração não apenas por conceber uma história tão ampla e multifacetada, mas também por realmente concretizá-la. Ao romper com as formas usuais, este livro desafia a todos nós a sermos mais comparativos e universais em nossa busca pela nossa condição comum.
13 de abril de 2025
Ricardo Marinho é Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.