Livro resenhado: SCHARGEL, Sergio. Bolsonarismo, integralismo e fascismo: diálogos entre Jair Bolsonaro, Plínio Salgado e Benito Mussolini. São Paulo: Folhas de Relva Edições, 2024.
Me chegou às mãos o exemplar em livro do amigo e exímio pesquisador Sergio Schargel, Bolsonarismo, Integralismo e Fascismo: Diálogos entre Jair Bolsonaro, Plínio Salgado e Benito Mussolini (2024), resultado de sua dissertação de mestrado. Uma verdadeira produção que transcende a ideia de ser um livro “apenas” da área de ciência política, dado que também demonstra robustez e qualidade para interesse e incremento das áreas de literatura e história. São análises que relacionam versões do fascismo ao longo do tempo até sua versão tupiniquim bolsonarista.
Com ousadia, nos deparamos com a proposta de uma hipótese que suscita um olhar para muito no passado, de maneira a identificarmos raízes nos discursos e materiais dos primeiros movimentos fascistas e sua trajetória no tempo e no espaço. Desta maneira, percebemos que o livro é um estudo sobre pontes que ligam diferentes momentos em que, a despeito de suas peculiaridades, são pinçados na alma do que há em comum entre as diversas conjunturas verificadas. De início, portanto, o sumário dá a clareza e didática com que se desenvolve o trabalho em uma linha do tempo que inicia com uma base conceitual que define parâmetros do que se entende para o fascismo. O desenrolar prático do que se viu materialmente desta ideologia medonha se faz nos capítulos seguintes.
Como precursor do fascismo, Mussolini é destrinchado em suas palavras, atos e escrita por Sergio, que é categórico em destacar que fascismo é movimento, na medida em que considerá-lo como algo limitado a uma abstração (algo que pode ser entendido e trabalhado apenas teoricamente) seria falso. O fascismo tem sua virulência nas palavras escritas e faladas sempre com intuito de instigar à ação, sempre se retroalimentando numa relação entre líder e massas, a despeito de qualquer incoerência: o discurso não está isolado da prática, mas o influencia e vice-versa, por mais que entre o dito e o feito sempre existam diferenças (p. 31). Assim, apresenta um histórico do homem/líder e aceitação do encanto exercido por sua retórica belicista e cultos ao líder, à pátria, à guerra, à morte… tudo isso ainda sem o grande peso da variável racista, muito mais presente e base da intensificação fascista com o nacional-socialismo alemão.
A partir de Hitler, temos uma análise que verifica os muitos pontos em comum com o fascismo italiano e o aprofundamento do autoritarismo mesclado à supremacia racial que consegue elevar o discurso da morte ao inimigo a patamares ainda maiores que os precursores italianos. Desta maneira, comunistas e judeus, vistos em bloco como os maiores males da existência, não deveriam ser menos que eliminados. Alvos de uma Alemanha em crise após a Primeira Guerra Mundial, aquele país, durante crise entreguerras, viu terreno fértil para a mobilização de afetos de ressentimento de uma nação militar, economicamente e socialmente combalida.
Ao se manter no tempo e saltando um oceano, Schargel nos leva a um país chamado Brasil e seu integralismo, um movimento inspirado com o fascismo europeu, mas que montou seu perfil próprio. Desta forma, por exemplo, a despeito de elementos mais ligados à supremacia racial, a Ação Integralista Brasileira (AIB) não deixava de ter nas suas fileiras, militantes negros. Ademais, merece destaque o caráter messiânico dos discursos do líder integralista e suas conclamações de mescla de concepção espiritualista da história, ultranacionalismo e valores conservadores: “deus, pátria e família”!
Com Plínio Salgado liderando este movimento fascista, há toda uma análise tecida sobre o homem de letras que participou da Semana de Arte Moderna de 1922, fundou a AIB e se ligou ao Estado Novo no período de alinhamento que houve, sobretudo, no que concordavam sobre o combate aos comunistas. Porém, de uma convergência que teve até promessas para Plínio Salgado de assumir o Ministério da Educação e Saúde de Vargas, passou-se a um rompimento que resultou em intentona contra o governo em 1938. Fracassado o golpe, o integralismo e seu líder caíram em declínio, sobretudo após o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do fascismo europeu…o que não quer dizer total fim da ideologia e, portanto, deixando sementes para um futuro de novos arroubos autoritários.

E permanecendo no Brasil, mas agora saltando no tempo, o autor chega a um novo século. Seria momento para se considerar mais do que superado ideologia de morte que resultaram um uma guerra global com milhões de mortos, mas não foi o que se viu… não é o que se tem visto! E, em verdade, a julgar por um olhar mais atento à história, não chega a ser surpresa aterradora, dado que movimentos extremistas sempre estiveram presentes em algum grau pelo mundo ao longo das décadas. Agora, a partir dos anos 10 do século XXI, seria apenas algo turbinado pelo que andava à espreita e, em novos momentos de crise, refloresce com roupagens de um novo tempo, mas sem deixar de beber das hediondas fontes do passado.
Em uma figura por tanto tempo caricata em meio à Nova República, o extremo direitismo brasileiro viu nova liderança para se escancarar e deixar pra trás sua posição envergonhada nas décadas seguintes ao fim da ditadura civil-militar que assolou o país por mais de 20 anos. Assim, em Jair Bolsonaro (militar reformado e integrante do baixo clero político por quase 30 anos) foi formada uma massa de descontentes com rumos de uma economia instável a partir de meados da década de 2010. E insatisfeitos, parte relevante da população deixava uma abertura emocional que soube ser identificada e manipulada por discursos de um tipo de ódio com traços, não à toa, similares ao já vistos e ouvidos no Brasil e na Europa. Mas agora, sob o simulacro da defesa da liberdade e da justiça, fala-se sob a oposição política não como adversária, mas sim como verdadeiros inimigos, a serem extirpados politicamente ou mesmo fisicamente. E em demonstrações nonsense são rotineiros os apelos até por “intervenção militar democrática” para garantir a vitória e manutenção política de Bolsonaro na condução do país.
Com elementos que se ligam aos valores do antigo fascismo, mas sem entregar gratuitamente esta inspiração, o bolsonarismo, com toda a truculência do líder, não deixa de trazer como movimento, a sofisticação do extremo-direitismo contemporâneo e seu lawfare. Ou seja, sabendo falar sem dizer, o radicalismo verde-amarelista apregoa todo um conjunto de práticas e retóricas que tornam fácil encontrar e pinçar vários traços em comum com os elementos dos fascismos de tempos pregressos, mas sem nunca prescindir de articulações também judiciais. Assim, para além de uma mobilização militante na política fora das instituições, também há toda uma preocupação em se valer fortemente do que a democracia oferece em benefício para depois corroer a ela própria.
Em cada capítulo, Sergio Schargel faz minuciosa análise que coloca a obra para além de um ótimo ensaio sobre um olhar acerca dos fascismos. Desta forma, se vale de verificação em gráficos de palavras e tabelas de ocorrência e intensidade de diferentes conceitos que surgem nas análises deste extremo direitismo ao longo do tempo. Apresenta, portanto, o que promete, ao recuperar palavras dos líderes de cada momento para nos depararmos com o que fascistas falam sobre si mesmo e, na comparação, como tudo se liga no tempo para nos fazer entender como tal ideologia surge e se fortalece na atualidade.
Uma leitura para compreendermos pelos discursos na história, como o fascismo nasceu, se desenvolveu e refloresceu numa ponte analítica que faz sobre diferentes conjunturas de uma mesma ideologia. Portanto, obra de necessidade teórica e prática para conhecer e combater o neoextremismo e suas ações corrosivas da democracia.
Allan Freire é Graduado em História pela UGF, Mestre e Doutorando pelo PPGCP/UNIRIO e autor do livro A Presença do Invisível: um olhar sobre o neoliberalismo em discursos presidenciais de Fernando Collor a Dilma Roussef (2022).