Texto resenhado: McIntyre, Lee. Como falar com um negacionista da ciência: conversas com terraplanistas e outros que desafiam a razão. Tradução de Cynthia Costa. São Paulo: Editora da Unicamp, 2024. 400 págs.
É cada vez mais comum ouvir algumas personalidades e um setor minoritário da cidadania se recusarem a aceitar evidências científicas, uma posição conhecida como negação científica. Dos estudos notórios são, entre outros, a rejeição da ideia de que exista mudança climática, a repulsa do efeito benéfico das vacinas (os antivaxxers) e a refutação do rigor das provas.
O negacionismo científico representa um perigo para a sociedade, para o desenho de políticas públicas, e pode até matar. Isso foi observável na pandemia da doença por coronavírus (da síndrome respiratória aguda grave 2 – SARS-CoV-2) 2019 (Covid-19) e é no ressurgimento de certas doenças infecciosas, e mais dramaticamente quando em um país africano mais de 300.000 pessoas morreram prematuramente entre 2000 e 2005, porque um ex-presidente negou a evidência benéfica do uso de medicamentos antirretrovirais para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e, em vez disso, recomendou o consumo de alho como remédio, suco de beterraba e/ou de limão.
Por isso, temos o desafio moral e intelectual de enfrentar o negacionismo científico, para o qual é necessário desenvolver estratégias para identificá-lo e combatê-lo. O filósofo Lee McIntyre descreve em seu livro Como falar com um negacionista da ciência: conversas com terraplanistas e outros que desafiam a razão fatores para identificar o negacionismo da ciência. Entre outros, ele menciona que suas declarações se baseiam na seleção interessada daqueles dados que confirmam suas fabulações (escolha seletiva) e que, em geral, manifestam sua adesão aos devaneios da conspiração.
Um objeto-chave é a insistência do negacionismo da ciência em estabelecer expectativas irracionais da ciência. A ciência consiste na busca de evidências para validar ou refutar hipóteses, isso implica a disposição a descartar a suposição quando são encontrados elementos que a contradizem. Esse espaço de autocrítica permanente, que é o motor do sucesso da ciência, é distorcido pelo negacionismo científico para instalar fantasias de que as teorias científicas são incorretas porque evidências futuras podem invalidá-las. No entanto, a ciência opera os métodos mais eficazez para entender o mundo. O espaço de incerteza, que é característico de estar aberto a novas evidências, não pode ser usado para confundir e instalar uma desconfiança infundada nos resultados científicos.

Com base em estratégias eficazes aplicadas com negadores da Covid-19, terraplanistas, mineiros de carvão, entre outros, McIntyre propõe mostrar como a ciência funciona, incluindo seus espaços de incerteza, usando gráficos e tabelas para explicar as evidências e enfatizar a importância do consenso científico. A chave é se envolver em um diálogo cara a cara, respeitoso, paciente e empático. Também é imperativo que a educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e a mídia ajudem a formar uma cidadania com uma cultura científica.
As comunidades científicas e as universidades, espaço privilegiado para a pesquisa científica, têm a grande responsabilidade de deter o negacionismo da ciência, para o qual a confiança dos cidadãos na ciência deve ser preservada. O oposto é fertilizar o solo com compósitos daninhos para seu crescimento.
Essa confiança na ciência é reforçada pela formação de equipes de pesquisa compostas por pessoas com diversos pontos de vista e que interrogam criticamente seus resultados de pesquisa para reduzir as subjetividades e preconceitos de cada cidadão. Além disso, é essencial promover uma ética em pesquisa que evite fraudes e fortaleça condutas científicas ilibadas, que então fornecem argumentos debeladores dos negacionismos científicos. Assim, a formação dos cientistas nas virtudes intelectuais, especialmente na humildade e abertura de espírito, adquire uma importância inevitável.
10 de maio de 2025
Ricardo Marinho é Presidente do Conselho Deliberativo da CEDAE Saúde e professor da Faculdade Unyleya, da UniverCEDAE, da Teia de Saberes e do Instituto Devecchi.