Os ingredientes carnavalescos mais destacados, atualmente, têm sido os blocos de rua, cujo crescimento continua se superando, desde o início do século XXI, no Brasil. Já são ostensivos em nove capitais: Porto Alegre, Fortaleza, Brasília, Manaus, Curitiba, Florianópolis, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Em Salvador, ainda predominam seus tradicionalmente resistentes blocos de afoxé.
Nas maiores cidades já passeiam centenas de blocos: com mais de 5 milhões de foliões, onde residem menos de sete milhões de cariocas e quatro milhões de belo-horizontinos, enquanto o passeio folião paulista já arrasta 15 milhões numa cidade onde residem 12 milhões de habitantes. Sua profusão associativa é exponencial nos municípios das várias regiões brasileiras, principalmente nos mais urbanizados. Tanto que seu formato tem evoluído para a formação contínua de associações entre vários blocos de rua, ou seja, adotando ligações (ou Ligas de Blocos de Rua) cada vez mais assumidas como formato. Alguns Blocos são tão grandes que até já nascem como Ligas.
Diferentes dos antigos cordões, ranchos (cortejos com temas recorrentes ou indiferentes) ou algazarras com batuques (supostamente iniciadas pelo lendário português Zé Pereira em 1846 sem tema algum), nos atuais blocos de rua se exprime a diversificação da modernidade brasileira, através dos vários estilos coletivos que os identificam, como nas adesões foliãs pelo bloco paulista Casa Comigo (desde 2013), pelo ambientalista carioca Vagalume O Verde (desde 2005) e pela emergência LGBTQIA+ do belo-horizontino Então, Brilha! (desde 2010). Aderir a um bloco é expressar sua identidade.
Por sua magnitude coletiva e urbana, cabe emendar o Estatuto das Cidades, onde as Prefeituras deveriam ser incumbidas de garantir espaços públicos – sem descurar de segmentos sociais alheios aos blocos, delimitando áreas e horários – adequados à movimentação de blocos foliões de rua (ao menos, durante o período carnavalesco), reconhecendo-os por quantidade proporcional mínima à população do município. Eles são comunidades, apesar de intencionais e pontuais, tão comprovadamente renitentes quanto as tradicionais em municípios brasileiros.
Tal regulamentação, como obrigação legal às gestões locais brasileiras, não pode continuar dependente da mera disponibilidade governamental municipal, pois a habitual condescendência administrativa com a folia coletiva dos blocos não impede que, eventualmente, gestões locais preconceituosas até proíbam a folia de rua. Como, recentemente, houve na cidade maranhense de Zé Doca, substituída por festival religioso contrário até mesmo à tradição carnavalesca de liberação individual do período carnavalesco no Brasil. Garantir a folia de rua é tornar efetivo o direito à Cidade, que inclui o encontro entre desconhecidos dentre suas funções sociais urbanas.
Julio Lopes é Pesquisador da Casa Rui Barbosa e autor de “Brasil: a nação carnavalesca”