Adolescência: O Espelho Distorcido da Violência virtual e Juvenil, por Giovana Freire

“Adolescência”, minissérie que estreou na Netflix a no dia 14 de março com apenas 4 episódios, trama que te lança em um mergulho cru e angustiante na mente de Jamie Miller (Owen Cooper), um jovem perturbado, desnudando a realidade sombria da violência. A série da Netflix te confronta com cenas desconfortáveis e reflexivas, desde o tenso interrogatório de Jamie sobre o brutal assassinato de sua colega Katie (Emilia Holliday). O crime, inicialmente banal, revela-se um reflexo de uma sociedade doente, onde o bullying, o machismo e a falta de apoio emocional se entrelaçam para criar um ambiente tóxico.

A série não te poupa da distorção do bullying sofrido por Jamie, com cenas de humilhação e violência física que te revoltam. Vale lembrar que a série chega a ser claustrofóbica em alguns momentos. O submundo online dos “incels”¹, onde Jamie encontra um refúgio perigoso, além do auto consumo de pornografia por um garoto tão jovem, também te assusta com a misoginia e o ódio que se enraízam em sua mente vulnerável; “mas oque leva um garoto de 13 anos a esfaquear até a morte uma colega de turma”. A exposição de como esses espaços virtuais podem radicalizar jovens vulneráveis, oferecendo-lhes uma falsa sensação de pertencimento e validando seus sentimentos distorcidos.

A dinâmica familiar disfuncional de Jamie, com cenas de tensão e silêncio ensurdecedor, te angustia. A dor da mãe, que busca entender o crime do filho, é palpável, os questionamentos e o isolamento social da irmã enquanto o pai se mostra distante e incapaz de oferecer o apoio necessário e tampouco sabemos do seu real papel ou possibilidade de influencia no garoto. O confronto tenso com a psicóloga forense revela a fragilidade e a dor que consomem Jamie, mas também a sua capacidade de violência, manipulação, além das falas tóxicas e machistas que são ditas pelo garoto a mesma.

A série não oferece respostas fáceis, mas te obriga a confrontar a mente dos jovens e o papel da sociedade em preveni-la. “Adolescência” também te alerta sobre crimes virtuais, como “cyberbullying”² e discurso de ódio, e a “misoginia”³ online, que se tornaram ferramentas poderosas de violência e opressão. A pichação da van do pai de Jamie, “tarado”, escancara o ódio e a incompreensão que cercam a família, simbolizando a deterioração das relações e o isolamento. A complexidade da sexualidade de Jamie ou a sua alta ficção pelo corpo feminino e sua visão distorcida das mulheres são exploradas, com um confronto tenso com a terapeuta que sugere um acidente na morte de Katie. Essa teoria, que questiona a autoria do crime, adiciona uma camada de ambiguidade à narrativa e te obriga a questionar as suas próprias percepções, afinal até que ponto temos o autocontrole? Até observamos a tão esperada confissão do mesmo.

A produção se destaca pela filmagem em plano-sequência, intensificando a tensão e a claustrofobia, imergindo o espectador na mente perturbada de Jamie. Particularmente cheguei a sentir agonia e me questionar se aquilo era uma história verídica. As atuações impecáveis,  com ênfase ao fato de que esse foi o primeiro papel do ator (Owen Cooper), e o roteiro impactante te provocam reflexão e debate sobre os temas tão sensíveis; explorando as nuances da mente humana e as falhas da sociedade.

A série também te deixa com perguntas perturbadoras: qual o papel de Ryan na tragédia? Onde está a arma do crime? Por que a psicóloga se abala tanto com Jamie? Por que o pai tem um olhar de sofrimento? Qual a ligação entre a sexualidade de Jamie e sua violência? A minissérie é para quem tem estômago forte, pois a série aborda temas pesados e perturbadores. Se você se sentir incomodado, procure ajuda profissional. As críticas também ressaltam a falta da visão da vítima, já que na maioria dos crimes o agressor ou assassino ganha realmente mais voz do que quem sofreu, mas na minha visão Kate está sim presente em toda a série, estranhamente no silêncio podemos senti-la, o que se caracteriza em um drama com poder de influência psicológica fortíssima. De fato a menina não aparece como um “personagem” atuando na trama, aparecendo apenas em fotos e na filmagem do crime, mas em entrevistas há a informação que a voz na música da cena final é de Emilia Holliday, que interpreta Kate.

A cada episódio nos sentimos confrontados com um assassinato brutal, derivado do bullying, mas essa é apenas a ponta do iceberg. Quantos casos de suicídio, silenciosos e devastadores, observamos diariamente, vítimas da mesma violência? Quantas vidas são ceifadas pelo sofrimento invisível, mas igualmente letal, do bullying? Essa é a urgência que precisamos enfrentar. A violência juvenil expõe falhas sociais: escolas negligentes ao bullying, o submundo online alimentando misoginia, capacitismo, famílias disfuncionais isolando jovens, e a saúde mental negligenciada.

No Brasil, observa-se um esforço crescente em abordar essas questões. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece diretrizes para a proteção integral de jovens, e programas como o Justiça Restaurativa buscam alternativas ao sistema tradicional de justiça juvenil. A Lei nº 13.185/2015 institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), e iniciativas que monitoram e
combatem crimes virtuais. No entanto, esses esforços, assim como em todo o mundo, ainda se mostram insuficientes diante da complexidade do problema. Persistem desafios como a necessidade de maior investimento em saúde mental, aprimoramento das medidas socioeducativas, a efetivação de políticas públicas que alcancem todas as camadas da sociedade e a urgência de uma mudança cultural que promova o respeito, a empatia e a cultura da paz.

 

¹ – ”Incel” é a abreviação de “celibatário involuntário”. O termo se refere a um grupo online, geralmente masculino, que se sente incapaz de ter relacionamentos românticos ou sexuais. Eles costumam expressar misoginia e rancor, culpando as mulheres por sua falta de sucesso. Alguns defendem a violência, o que torna o grupo perigoso.

² – “Cyberbullying” é o bullying que acontece online, usando celulares, computadores e outros dispositivos. Envolve enviar, postar ou compartilhar conteúdo negativo, falso ou maldoso sobre alguém, causando humilhação e sofrimento.

³ – “Misoginia” é o ódio ou desprezo pelas mulheres. É um preconceito que se manifesta em atitudes, comportamentos e discursos que inferiorizam, discriminam ou violentam mulheres.

 

Giovana Freire é historiadora em formação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pedagoga, também em formação, pela Universidade Cândido Mendes.

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7 Comentários

  • Luana Anjos

    Essa séria é extraordinária, nos leva a refletir sobre o tempo gasto pelas nossas crianças e adolescentes em frente a telas, e o quanto um bullying pode transformar a vida de uma pessoa.
    Parabéns pelo texto.

  • João Victor Silva Marques

    parabéns ótimo texto e foi muito bem escrito

    • Tiago

      Parabéns pelo texto!

  • Daniel

    nossa muito impressionante irei assistir assi que der, parece ser uma trama muito boa, e isso acontece muito hj em dia, um otimo trabalho, parabéns…

  • Daniel

    nossa muito impressionante irei assistir assi que der, parece ser uma trama muito boa, e isso acontece muito hj em dia, um otimo trabalho, parabéns…

  • Raquel Valadares

    Chamou muito a minha atenção e dispertou um grande interesse em assistir, gostei bastante. Meus parabéns à escritora! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

  • Filipe Moreira

    a série toca num tema muito importante e complexo para a nossa realidade. a primeira coisa que pensei durante a leitura foram os grupos de ódio no discord e como eles ajudam a promover todas essas questões tratadas na série em adolescentes e jovens, principalmente os mais islodados socialmente.
    Parabéns a autora pelo texto!

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