A contrademocracia nas legislativas de Portugal: o populismo na era da desconfiança, por Vagner Gomes

De onde vem a força do populismo contemporâneo? Essa seria um instigante pergunta para os cientistas políticos uma vez que a ascensão das agremiações partidárias que se identificam com essa tendência iliberal ganha eleitores para exercer aquilo Pierre Rosanvallon chamaria de contrademocracia. A oposição ganha uma legitimidade pelo voto para exercer uma política de impedimento. Nesse “furor” de qualificar a desconfiança a aqueles que fazem parte do sistema político a décadas sem lhes conferir melhorias sociais, em tempos de estagnação econômica e crise do emprego, provavelmente os partidos antissistema se favoreçam nas ondas do populismo. As barricadas insurrecionais do século XIX migrariam para o parlamento e, na atualidade, o “jacobinismo digital” de parlamentares da extrema-direita muitas vezes bloqueia o debate legislativo.

A crise da social-democracia europeia alimenta esse “mal-estar” na política representativa uma vez que foi esse campo político que melhor estabeleceu ganhos para a sociedade. Segundo Rosanvallon,

Na história política dos dois últimos séculos, os regimes social-democratas foram os únicos a terem integrados plenamente na sua arquitetura política o equivalente de uma função de impedimento. Com efeito, eles articularam estruturalmente compromissos sociais de classes (o que supunha a tomada em conta da sua existência conflituosa) com uma forma de institucionalização do papel da oposição. Disso resultava o poder de veto implícito, em benefício desta última, sobre as políticas com relação às quais elas podiam ser particularmente hostis. Dessa forma, esses regimes reconheciam, ao organizá-la, a distinção entre legitimidade social e legitimidade política. As instituições da democracia liberal, para dizer as coisas de outra maneira, eram claramente transplantadas para eles num reconhecimento do fato incontornável da luta de classes.¹

Nas eleições legislativas de Portugal – a terceira em 3 anos – essa hipótese se confirmou com a consolidação do CHEGA num “empate técnico” eleitoral com o Partido Socialista (aquele que considerava ser o beneficiário da queda do Gabinete da Aliança Democrática). A função do impedimento estaria a migrar diante do debate sobre a migração muito associado ao medo de uma perda de uma identidade lusitana diante de outras batalhas identitárias enumeradas por uma “esquerda de papel crepom”.

Pierre Rosanvallon. Fonte: Pierre Rosanvallon, 2014. SIPA. 00676221_000019

 

Os partidos políticos que um dia fizeram parte da apelidada “Geringonça” (Partido Socialista, Partido Comunista Português e Bloco de Esquerda) saíram do julgamento das urnas com derrotas políticas históricas. Há um sentimento de que o próximo legislativo está a nascer “Morto” politicamente diante dos escombros das forças políticas de centro-esquerda e esquerda que se afastaram por motivos “sectários” a menos de cinco anos atrás. As pontes criadas pela “Geringonça” foram derrubadas uma vez que não se aprofundou um caminho para o uma ampla frente democrática como nos ensinaria uma chave de interpretação positiva do lusotropicalismo.

Assim, lembremos que em 2019 (véspera da pandemia do COVID-19) o PS elegia 108 parlamentares, o Bloco 19 parlamentares e CDU (coligação do PCP e Verdes) 12 parlamentares. Por sua vez, o CHEGA elegia apenas um parlamentar. As legislativas de 2022 da maioria absoluta do PS foi o início de uma derrocada dessas forças políticas que precisam ser reinventadas ao perceber que cada vez mais os jovens portugueses votam no discurso antissistema do CHEGA. A crise política não está superada porque a vitória da Aliança é como força política minoritária o que impede sua imediata configuração como Governo. Abrem os momentos das tratativas políticas para a conquista de uma maioria que poderia se estabelecer se forma precária, ou seja, sem pontos programáticos e sim pragmáticos.

Imagem por José Coelho/LUSA.

 

Não se pode deixar de responder com uma forte frente articuladora do campo democrático as demandas de um eleitorado revoltado que se espalha em inúmeras eleições como testemunhamos na Argentina de Milei; nos EUA de Trump e nas ameaças constantes à estabilidade política no Brasil. Há a necessidade de se fazer uma articulação política com as forças do centro político, portanto não deixemos o PSD de Portugal sob pressão como se a “chantagem” fosse uma melhor forma de se fazer política. O voto de rebeldia se encolhe diante de resultados ao contrário dessa onda de narrativas de “batalhas de comunicação”. Esperemos que os ensinamentos da conciliação democrática de Tancredo Neves em 1985 no Brasil inspirem nossos fraternos amigos lusos reaproximando as forças do campo democrático.

¹ – Rosanvallon, Pierre – A contra democracia: a política na era da desconfiança. Rio de Janeiro: Ateliê de Humanidades. 2022. P. 176.

Capa: José Sena Goulão/Lusa.

 

Vagner Gomes é Doutorando em Ciência Política do PPGCP-UNIRIO.

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3 Comentários

  • Luana

    Muito boa a leitura.
    De fato seria muito importante o diálogo e a união entre as forças democráticas. Mas seria isso uma UTOPIA?
    PARABÉNS PELO ARTIGO!!!!

  • Luana

    Muito boa a leitura.
    De fato seria muito importante o diálogo e a união entre as forças democráticas. Mas seria isso uma UTOPIA?
    PARABÉNS PELO ARTIGO!!!!

  • José Bezerra

    A Esquerda, tanto aqui como além mar, não está fazendo o básico: informar o cidadão.

Comentários

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